leonRN

Sem garantias

4 de junho de 2017 , In: Aprendendo com o autismo, Comunicando , With: 2 Comments
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Em uma das minhas postagens recentes no facebook, uma mãe questionou sobre a possibilidade de ter um segundo filho autista, já que o primeiro era e ela mesma desconfiava do próprio diagnóstico.

Como já dito aqui, o autismo tem altos índices de herdabilidade (cerca de 90%) e, se você é autista, terá grandes chances de ter filhos autistas. Por outro lado, se apenas seu primeiro filho for autista, estima-se cerca de 20% de probabilidade do segundo filho também ser autista.

Eu entendo que ser mãe não é uma tarefa fácil  – e como entendo!  Por isso defendo que maternidade deva ser, acima de tudo, escolha, e não algo compulsório como é hoje na sociedade brasileira, devido à legislação e também aos nossos costumes, tão arcaicos.

Ser mãe de uma criança com deficiência, então, é ainda mais pesado. Eu ainda tive o privilégio da “escolha” e, com o pré-diagnóstico do meu filho aos 3 anos e três meses, suspendi temporariamente meu trabalho para me dedicar a ele, e não tenho dúvidas que isso foi fundamental para o seu desenvolvimento. Também tive outros privilégios, como o acesso às terapias particulares, uma escola maravilhosa (também particular) que está sendo vital para que ele tenha uma infância feliz e equilibrada.

As contas são muitas e eu já estou me preparando para voltar ao mercado de trabalho, após quase dois anos de dedicação (o que, confesso, é meu grande sonho. Eu amo trabalhar!). Mas, se eu engravidasse agora, como seria? Se eu engravidasse de mais uma criança autista, sabendo da necessidade de um suporte mais firme nos primeiros sete anos, quando as redes neuronais ainda estão em formação e as intervenções sensório-motoras são tão necessárias? Deveria me “arriscar”?

Bem, eu tentei engravidar novamente! Da primeira vez, ele tinha cerca de dois anos, ainda não tinha qualquer diagnóstico, apenas o atraso de fala que já estava sendo tratado e alguns alertas sensoriais. Não foi uma decisão racional e sim emocional. Eu sonhava em ter mais um filho e, em nenhum momento, passou pela minha cabeça que esse filho poderia ter alguma questão diferente do esperado.

Infelizmente, a gravidez não passou do primeiro trimestre, o que foi um baque, que até hoje tenho dificuldade de lidar. Esse luto talvez tenha sido a principal razão de ter recebido, no mesmo ano,  com algum alívio, o pré-diagnóstico de autismo infantil do filhote. Ou simplesmente porque eu já sabia, só não tinha a confirmação ainda.

Quando decidi parar de trabalhar para atender as necessidades imediatas dele, decidi também tentar engravidar novamente. Mas não aconteceu. Foram quase 12 meses de tentativas, controlando ovulação, a saúde, chorando a cada descida da menstruação.

Nesse período, alguns medos começaram a me assaltar: e se o segundo filho fosse autista? Terei condições financeiras de proporcionar a ele as mesmas terapias e a mesma escola de qualidade do primeiro? E se eu não tiver energia suficiente para atender as necessidades de ambos?  E se eu faltar, quem cuidará dos dois?

Conversando com uma amiga a respeito, ela me perguntou, na lata: “Adriana, existe alguma garantia em ter filhos? ” Eu já esperava por essa pergunta e refleti um bocado nela.

Mais da metade das pessoas com deficiência o são por deficiência adquirida, seja por armas de fogo, acidentes de trânsito, acidentes domésticos…

Crianças se acidentam. Adoecem. Morrem. Não existe garantia de nada.

Eu tinha uma expectativa de vida dentro de mim que já tinha nome, rosto, até um vestido para chamar de seu, quando fui surpreendida com a ausência de batimentos cardíacos no ultrassom.

Minha mãe perdeu uma filha com sete anos de idade, vítima de escarlatina, uma doença comum na época.

Ter um filho/filha autista é ter, junto de si, um filho. E, como todo filho, vai dar trabalho sim, um pouco mais, é verdade, mas também lhe trará um aprendizado gigantesco e um amor que não cabe no peito. Quando penso no meu filho hoje, do jeitinho que ele é, com suas crises de sobrecarga sensorial,  sua agitação, a demanda sempre nível máximo, sua literalidade tão charmosa, seus stims, sua baixa resistência à frustração aliada a um alto entendimento de suas próprias dificuldades, sinto um quentinho no coração.

Eu amo meu filho porque ele é quem é. E isso significa que o amo por ser autista também, já que é uma de suas características, e que define outras tantas. Eu não consigo imaginá-lo não sendo autista, pois faz parte do seu charme, do seu encanto, do seu “eu”.

Outro dia, li em um título de uma matéria jornalística que “não há nada de bonitinho no autismo”. O autor, pelo que entendi, se referia à mania (que fujo léguas, diga-se de passagem) das pessoas se referirem aos autistas como anjos. Minha crítica a essa visão é diferente, eu não vejo meu filho como anjo, porque anjo foi meu bebê que não chegou a nascer. Não existem anjos na terra, existem seres humanos, com qualidades e defeitos, e meu filho é um deles. Tratá-lo como anjo é desumanizá-lo! Mas sim, existe beleza no autismo, e como existe! Assim como existe beleza em todo ser humano, no indivíduo que ele é, no ser único que ali se apresenta. Eu poderia, sem dúvida, escrever um livro sobre essa beleza, que em nada se choca com os momentos de cansaço, de medo, da maternidade como ela é, com momentos incríveis e outros péssimos que tenho quase todos os dias.

Se você pensa em ter outro filho e se preocupa se seu filho terá uma condição diferente do que a sociedade decretou como normal, pare, respire e pense de novo: eu realmente quero ter outro filho?

Sabe como é, não há garantias.

leonRN

Na imagem, Leon, com alguns dias de vida. 

    • Ezio
    • 4 de junho de 2017
    Responder

    ❤️

    • Ondina
    • 12 de junho de 2017
    Responder

    Lindo….

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