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O capacitismo nosso de cada dia

14 de fevereiro de 2017 , In: Aprendendo com o autismo , With: One Comment
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Não faz muito tempo que estou transitando no “universo autista”, já que meu filho foi diagnosticado há cerca de um ano e meio. Claro, como ativista de direitos humanos, foi mais fácil para mim entender a luta dos movimentos em defesa dos direitos dos autistas em diversos aspectos, principalmente no que tange à inclusão – inclusão essa necessária a tantas minorias: mulheres, negras e negros, pobres, indígenas, etc.

Abracei a teoria da neurodiversidade, até o momento a única que atendeu aos diversos questionamentos do meu raciocínio.

Autismo não é uma doença, é uma condição da neurodiversidade humana, uma forma peculiar do cérebro processar determinadas informações.

Não se trata nem se medica o autismo, trata-se e medica-se déficits que podem ou não estar ligados ao cérebro autista (transtorno do processamento sensorial, dificuldades na verbalização, insônia, depressão, entre outros).

Minhas principais fontes de conhecimento desse assunto são os próprios autistas, que busco acompanhar nas redes e também em blogs/artigos (disponíveis, por exemplo, no site Autismo em tradução: https://autismoemtraducao.com/).

Ora, quem melhor para falar da sua condição que os autistas? Não, não significa que eu concorde com todos, ou que tenhamos o mesmo pensamento a respeito do autismo – seria como exigir que todo negro e toda negra entendesse do racismo que sofrem, sabemos que vários acabam reproduzindo o racismo quase tão bem quanto seus opressores, pois o sistema social que nos estrutura está impregnado de preconceitos – que acabam naturalizados até em suas vítimas!

Não, negros não são racistas, porque eles não têm qualquer privilégio com isso, pelo contrário. Assim como mulheres não são machistas e pessoas autistas não são capacitistas. Mas pais, mães, irmãos, maridos, amigos podem ser, estas não apenas reproduzem os preconceitos, são privilegiadas pela existência deles.

Por esse motivo eu tento, todos os dias, me controlar e não arrumar briga com os diversos pais e mães de autistas que, invadindo as páginas e perfis de defensores da neurodiversidade, incluindo textos e posts escritos pelos próprios autistas, agridem verbalmente seus autores, por estes serem contrários às escolas especiais e/ou aos “tratamentos” absurdos que são impostos às crianças autistas.

Crianças são vulneráveis, dependentes de seus responsáveis e sem condições de escolherem por si mesmas o que querem e o que podem fazer com seus corpos, idem para autistas que não utilizam a linguagem falada. E, por amor, pais e mães acabam submetendo esses seres humanos a dietas loucas, oferecem alvejante para a criança via enema(leia mais aqui), colocam-nas em clínicas-escola sem o direito de conviver com a diversidade e a ter um desenvolvimento pleno que só o convívio com grupos diversos pode oferecer.

Em defesa de suas escolhas, costumam acusar de não entendimento quem discorda:

“Meu filho é um autista ‘severo’, ao contrário do seu filho que é ‘leve’. Eu quero a cura sim!”

“Seu filho é muito novo, quando ele crescer você mudará de ideia”

“Essa autista aí nem é autista direito, tem faculdade, pós-graduação… que direito ela tem de falar sobre autismo?”

No meio do debate, se alguém chega e fala: “ah, meu filho é autista ‘severo’ e eu também acredito na neurodiversidade e na inclusão, autismo não é doença”, é IGNORADO pelos discordantes.

Pais, mães ou responsáveis por crianças autistas, respeitem os autistas. Não importa qual o nível de suporte que esse autista necessita, o cérebro dele funciona de uma forma semelhante ao do/a seu filho/a. Vocês não precisam me escutar, mas precisam escutá-los sim! Reflitam, por exemplo, quando eles falam sobre a importância dos stims**, da adequação ambiental, das barreiras que enfrentam e que nós podemos remover.

Se queremos um mundo melhor para os nossos filhos, precisamos ser melhores para os nossos filhos, começando a aceitá-los como são, a estudar mais sobre quem eles são e a desconstruirmos, em nós, o capacitismo que nos estrutura .

* Stimming ou stim são movimentos corporais repetitivos que autoestimulam um mais sentidos de maneira regulada. A palavra é um apelido carinhoso para o termo “movimentos autoestimulatórios” e é o termo preferido pelos autistas, que desejam retirar da linguagem ligada ao autismo, o peso da linguagem patológica. Sem uma boa tradução em português, stim vem aparecendo em diversos textos no Brasil. Em psiquiatria, stimming é conhecido como “estereotipia” ou “movimento estereotipado”.
Nas comunidades de autistas, stimming é visto de forma positiva, como forma de autorregulação e também de expressão e comunicação.
Formas comuns de stimming são abanar as mãos, balançar o corpo de forma ritmica, o uso da ecolalia na fala, enfileirar objetos, girar objetos, etc. Há também várias formas de stim mais sutis. O stim persiste na vida adulta e não é exclusivo do autismo.  Fonte: Autismo em Tradução: https://autismoemtraducao.com/terminologia-e-outras-consideracoes/stimstimming/

Foto destacada: © Copyright Élcio Paraíso/Ohhappyday Fotografia | Todos os direitos reservados | All rights reserved

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    • Eloina Casas
    • 10 de março de 2017
    Responder

    Concordo. Tenho acompanhado os grupos e vejo bem isso…sou ignorada quando falo que tenho essa visão em relação ao autismo ….Como tenho um filho asperges tenho buscado aprofundamento mas não concordo com a forma que se está tratando o assunto nas redes sociais!

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