aninha

Aninha

11 de setembro de 2017 , In: Aprendendo com o autismo , With: No Comments
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Aninha* era uma menina doce, alegre, cheia de vida e disposição. Para a maioria das pessoas, Aninha era uma menina feliz.

Para sua mãe, Aninha era uma menina chata. Chatinha, chatinha. Ela brincava de uma forma que as demais crianças não entendiam. Ela gostava de enfileirar e organizar os brinquedos, assim como arrumar o próprio quarto. Com cinco anos, Aninha era uma menina esquisita, dizia a mãe, cheia de manias.

Não gostava de barulhos.

Não suportava certas texturas de roupas e tecidos.

Não tinha uma conversa bem estruturada e, em alguns momentos, falava algumas coisas sem muito sentido.

Era uma “nerd”, quando cismava com algo, sabia tudo sobre aquele algo. E desenhava tão bem para a idade! Isso também era muito esquisito, no fim das contas.

Ela é muito estranha, como as pessoas vão suportá-la? Questionava a mãe.

Um dia, essa mãe viu outra mãe comentar em um post, numa rede social. A outra falava da seletividade alimentar do filho, de algo chamado transtorno do processamento sensorial. Ficou curiosa e começou a fazer perguntas. A outra mãe falou sobre autismo. Apresentou para ela mais uma mãe. Ambas resolveram criar um grupo só para conversar com essa mãe e explicar que autismo não era uma doença, que a filha não era uma menina chata, que ser diferente era algo “normal”, mas que ignorar a diferença poderia causar sérios problemas.

Foram meses e meses de muita informação, uma verdadeira dádiva em um mundo com tanta desinformação! Enquanto isso, a menina apresentava, a cada dia, mais indícios de ser uma criança autista, mas a mãe ainda não estava convencida. Levou-a em alguns médicos, mas sabe como é? Vida corrida de mãe, não tinha tempo para levar em terapia, tinha outros filhos, aquela ali estava virando uma privilegiada, tudo era pra ela, a mãe precisava trabalhar, não tinha tempo para essas coisas. A vida é assim, dizia. Ela é dura. Ela vai ter que aprender a viver nesse mundo.

O grupo cresceu um pouco, entraram outras mães e até uma que, com o apoio do grupo, acabou sendo ela mesma diagnosticada autista. Mas, quando ela começou a ver aquela mãe que só reclamava da filha e de suas “esquisitices”, se sentiu muito mal.

Ela não teve o diagnóstico precoce que poderia ter evitado tanto sofrimento em sua vida.

Ela teve que aguentar a vida inteira os rótulos de chata, esquisita, excêntrica.

Ela viu, nas palavras daquela mãe, o quanto aquela menina deveria estar sofrendo. Como ela mesma sofreu.

Tentou alertar a mãe, assim como as demais participantes.

Foi em vão. A mãe, confrontada, saiu do grupo, que continuou trocando valiosas informações sobre um assunto que é ainda muito mistificado pela mídia e os próprios “especialistas”.

Mas ela voltou algumas vezes a contatar duas daquelas mães, que ficaram chocadas com os novos relatos. A menina estava piorando dia após dia. Automutilação, batia a cabeça na parede, gritava, dizia coisas sem sentido, se arranhava. Na escola, na casa da avó, em casa.

As mães tentaram, mais uma vez, alertá-la para a importância do diagnóstico, da terapia, da adaptação ambiental.

Mas ela não queria escutar, só reclamar mesmo. Parecia uma criança que tinha recebido um brinquedo quebrado e não sabia como fazer para devolver.

Hoje, essa mãe, fez comentários jocosos sobre a filha em um post de uma das mães. Contava ela como a irmã mais nova da garota aprendeu a provocar a mais velha, fazendo barulhos que irritam seus sentidos hipersensíveis.

“A irmã é a vida real bem na cara dela. Papel de irmão é infernizar”

Foi novamente confrontada, agora com palavras mais duras. Apelou para a ladainha sobre o quanto a vida é difícil, o aluguel que vai vencer, o trabalho que não para, as irmãs que não entendem os “privilégios” da Aninha.

Essa mãe tem uma vida difícil, como muitas.

Mas a vida da Aninha é muito mais difícil que a vida da mãe, sabe? É isso que a mãe não consegue perceber. E poderia ser muito, muito mais fácil. Se tivesse aceitação. Se tivesse respeito. Se tivesse interesse.

Existem muitas Aninhas por aí, rotuladas de diversos nomes pejorativos, sem serem compreendidas nem por seus colegas, nem por seus próprios familiares. Quando conseguem chegar na fase adulta, enchem os consultórios dos psiquiatras com condições diversas como depressão, transtorno de ansiedade, etc.

Hoje eu só queria abraçar a Aninha e dizer a ela que vai ficar tudo bem. Mas não vai né? Nem toda história tem um final feliz.

Um beijo, Aninha. É por você e pelas milhares de Aninhas desse Brasil que eu não me canso de escrever sobre autismo. Se eu conseguir ajudar uma Aninha que seja, já me sentirei feliz.

* Esse nome foi inventado, claro. Mas a história, infelizmente, não. Só resumida para caber em um post. =(

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